Não sei brincávamos de roda frequentemente ou se foi uma única vez. Provavelmente foram muitas, porque a música me ficou no cérebro, inclusive com sua letra originalíssima: "Fui na esponja buscar meu chapéu/ azul e branco da cor daquele céu"
Muitos anos e quilômetros depois ouvi crianças de outras paragens relatando viagens à "Espanha" para buscar o mesmo chapéu - o que faz mais sentido do que a minha "esponja", mas não me altera a memória nem os afetos. O resto dos versos não varia. Nem o final: "Cada qual pega o seu par pra não ficar como a vovó"
Eliane, minha irmã mais velha, tinha métodos nada democráticos de organizar a correria: determinava em cochichos ao ouvido de cada um a quem se devia buscar no final da brincadeira, para formar o par e não ser alvo da galhofa geral: "A bênção vovó que ficou no caritó"
Caritó, em pernambuquês, é o lugar dos que não se casam, o que evoca outra vez a licença poética: fora das brincadeiras de roda vovó sempre é alguém que escapou do caritó e formou grande prole... Deixa pra lá! A brincadeira terminava pra mim, quando Eliane cochichava no ouvido de todo mundo e pra mim dizia em alto e bom som: "Você pode ficar com qualquer um"... Era a desgraça: meu turno de vovó-no-caritó... Eu que nunca fui lá um mestre em artes de saber perder, protestava aos prantos, até sair da brincadeira ou a brincadeira sair da roda...
O bom é que o repertória era generoso: cantorias, jogo de pedra, barra-bandeira, boi-de-barro, cawboys de plástico, esconde-esconde, banho de açúde, escalada em pedras, helicóptero de sabugo e penas de galinha, bola de meia, chimbra, pular corda, passar o dedo na chama do candeeiro, fazer conchas com as mãos sobre a luz da lamparida só pra ver o vermelho da luz atravessando as articulações dos dedos, pegar vagalume, rodar tição em brasa pra fazer desenhos de luz no breu da noite... e um sem fim de coisinhas de encher a infância de sabor e a vida de marcas.
Por Walderes Brito
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